Lembrança na madrugada

Acordei porque deixei uma fresta da janela aberta e o sol começou a entrar. Metade de mim ainda dormia quando olhei o celular e tinha uma mensagem: “Não consigo dormir. Tá acordada? Fiquei pensando em ti”. 4h da madrugada e tentava me dizer que era falta de sono. Sei!

Meu bem, você tem muito a conhecer sobre mim ainda e podemos começar pelo fato de eu só acreditar nestas histórias de “estive pensando em você” quando não gosto da pessoa. Se eu gosto, como suponho você já saiba que é o seu caso, eu não as levo a sério e crio continuações imaginárias de “certeza que foi pra balada, tava ruim e lembrou que era melhor ter ficado comigo”.

Sim, eu estrago tudo. Eu sou a musa inspiradora destes textos sobre gente que foge do amor. Tava descrita aqui:

Dizer que gosta de alguém se tornou motivo pra se afastar e não pra se aproximar; parece ser a pior coisa a se ouvir, parece que cria-se então um escudo ou algo do tipo “não me venha com essa história”. Aí vem gente que diz “calma, já sofri demais e não quero passar por isso de novo” e essa reação soa como uma vingança em outra pessoa que nem tem culpa de nada, e que até que prove o contrário, é só mais uma pessoa tentando ser feliz com alguém.

No entanto, uma coisa que talvez você não saiba é que estou melhorando. Tenho 27 anos e fugi de quase todas as histórias fascinantes que poderia ter vivido. Preferi a aventura, o provar que eu era maior que a possibilidade de ser rejeitada com o familiar “vai ficar tudo bem sem ele porque sou uma mulher foda”. Dos amores que tive, não consegui ser forte o suficiente para manter os vínculos: não superei a traição, a escolha por ir ao invés de ficar comigo, o não querer me ter para seguir numa relação sem paixão, a falta de compatibilidade. Não fui forte e lá se foram os amores, mas ainda assim foram bem mais bonitos de todos os “e se…”

É da minha personalidade esse ímpeto de intensidade nas relações. Sabe o que é bonito de ter te conhecido? Estou tentando frear meus instintos, usá-lo como se fosse uma ponte para dias mais tranquilos na minha vida afetiva.

Depois que comecei a repensar minhas emoções, percebi que nunca mais queria ser a mulher maluca que fica perturbada quando gosta de alguém, que não podia mais ser a referência de maluca que os namorados das minhas melhores amigas usavam para ilustrar a adjetivação “maluca”, que pouco importava se ia chorar depois que falasse sobre o que sentia e que precisava aceitar duas coisas que minha terapeuta disse que me fariam crescer muito: a rejeição e a solidão.

A rejeição para viver o luto do amor, pois não estamos num jogo em que as peças precisam ser substituídas rapidamente. Aquele “não te quero” precisa de tempo para ser digerido.

A solidão pra lembrar do que eu gosto e de que está tudo bem se eu preferir ficar mergulhada em livros e séries no sábado à noite do que ir para balada marcar no bingo os caras com que fiquei.

Então, moço, é porque estou nesse processo que vou acreditar que você não conseguiu dormir mesmo. Eu sei que a gente está só está se conhecendo e que eu já tenho vontade de te ver quase todos os dias. Sei também que você é super ocupado e cheio de receios quanto ao que sente (óh céus, até somos parecidos). Sei que é bom eu ser legal não porque você gosta de mim, mas porque você merece. Obrigada por me fazer ir com calma e por lembrar de mim na madrugada, seja na balada, na insônia ou no ensaio da sua banda. Pode continuar lembrando, tá?

“Bom dia! Conseguiu dormir? Só vi agora a mensagem, fiquei feliz por ter lembrado de mim ;)”, respondi.


Sobre o que ficou guardado

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Há um tempo, entrei num processo terapêutico para entender melhor minhas escolhas e resgatar um “eu” que ficou guardado na gaveta.

Uma das atividades que venho realizando desde então, tem sido anotar coisas sobre mim. Elas ficam meio perdidas, desconexas, mas estão ali, pra lembrar quem a gente realmente é, a despeito de quem os outros querem que sejamos ou do personagem que nos tornamos para conquistar ou impressionar alguém.

É nessas anotações bem íntimas, que permanece guardado o que ficou de valores, de família, de amizade e de amor. É ali, quando abro o bloco de notas, que me dói entender por que relacionamentos não deram certo, por que pessoas queridas saíram da minha vida, por que não consegui entender ou perdoar quem merecia, por que aceitei envolvimentos com doação pela metade, se eu preciso inteiro, por que me doei para relações que só elevaram meu nível de ansiedade. São tantos os porquês e é ali que vejo que muita coisa poderia ter sido vivida de outro jeito se essas anotações existissem há mais tempo.

No entanto, também é ao abrir o bloco de notas que consigo sorrir para quem eu sou de verdade. Sabe aquele encantamento que a gente esqueceu que tinha? Pensar: “poxa, como eu sou uma pessoa linda! ou eu mereço mesmo gente tão legal quanto os amigos e amor que tenho torna a vida mais plena e mais simples. Quando a gente aceita o que a gente é, de fato e verdade, com todos os defeitos e aquela vergonha por gostar de uma música brega ou de ter uma situação negra no passado, tudo fica natural. Dizer SIM ou NÃO é bem mais fácil quando entendemos os motivos implícitos na escolha.

Não dá pra enganar a vida a vida inteira, me falaram durante o processo. É preciso saber o que a gente é, o que a gente ama e o que nos aquece o coração e as expectativas, pois só assim dá para se abrir para o que nos faz feliz. É como pegar as rédeas e não deixar a vida e os outros decidirem pra gente. Não busco estar livre da decepção, da tristeza e da dor, mas quero que elas tenham origem no que eu sou e não naquela eterna sensação do “e se…” que vem quando a gente disfarça o que é nosso.

Compartilho com vocês, leitores que já são amigos, algumas das minhas amadas anotações:

Das coisas que eu mais gosto na vida, está acordar cedo no fim de semana pra ficar deitada na cama, lendo, vendo vídeos idiotas e curtindo a sensação de haver vida quando estamos vestidos de pijama. É tão gostoso, sem horário, sem compromisso… Meus amigos me chamam de maluca por acordar cedo num dia em que não tenho horários, mas me faz um bem incrível. Se puder, permaneço o dia assim, nesta mesma bolha de curtir um nada que é muito.

Outra coisa que eu amo é o Natal. Um dia, na terapia, cheguei a falar pra minha psicóloga que queria ter uma família bem grande só pra todas as crianças me ajudarem a montar o pinheirinho. Obviamente, já segurei a emoção da família grande, mas continuo com a vontade de curtir o cheiro e o gosto de família que vem com o Natal. Quero que as pessoas vivam comigo aquela época em que tudo emociona e queiram compartilhar abraços, presentes simples e carinho.

Ahhhh, também tem outra coisa que eu adoro. É conhecer um monte de lugares e me sentir à vontade para escolher sempre o mesmo. Morando em São Paulo, acho lindo ter todos os tipos de gastronomia há poucos quilômetros, mas acho mais lindo ainda ir sempre no mesmo boteco da esquina em que os garçons já me sorriem e pedir “o de sempre”. Ou entrar na padoca conhecida por inúmeros quitutes e pedir pão e café. Tenho apreciado cada vez mais as coisas simples da vida, essa imensidão de possibilidades que me permitem gostar do que eu gosto e as escolhas sem o peso de precisar ser.

Eu tenho uma atração por gente quente. Gente morna é uó. Quero brilho no olho e paixão, naquelas coisas mais bobas como gostar dos amigos, do trabalho, de um domingo em família sem nada demais. Adoro ver alguém contando uma história com entusiasmo ou descrevendo um sonho, rasgando o pacote do presente para ver o que tem dentro, vivendo com pele e alma no jogo. É fácil amar quem ama.

Ainda tenho muita coisa pra anotar. Toda vez que encosto a cabeça no travesseiro e o silêncio cala, me pego pensando naquele “Se isso, por que aquilo?” ou “se acreditamos em família, por que nos envolvemos com pessoas que vêem traição como algo natural?” ou “se achamos bonitas as coisas simples, por que aceitamos aquela relação pautada no parecer ser?”, “se gostamos de intensidade, por que aceitamos nos esconder?”.

Não é um exercício fácil, mas pensar sobre a gente também é um ato de amor. Um lindo ato de amor próprio.


mães que transbordam

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Ser mãe é um amor que não cabe em si. Ou você nunca ouviu algum ser da espécie Mãe falar “a gente cria os filhos pro mundo”.
Na idade em que minha mãe foi mãe, eu tava entrando na faculdade e aprendendo a andar sozinha em Porto Alegre, que à época era gigante pra mim. Mas ela foi mãe e eu fui a diversão de todos os amigos dos meus pais, que me chamavam de “tinalinha” e adoravam me mimar, quase que como um bibelô do grupo de adolescentes quase-adultos. Ela foi mãe e me ensinou que é possível conciliar tudo: estudar, trabalhar, cuidar da família… Minha mãe foi o primeiro modelo de mulher que manda ver e, com certeza, o que mais influencia nessa minha mania de querer ser sempre melhor. Ela não é de falar muito e eu, tagarela demais, sempre fiquei inquieta com o jeito que se cala quase sempre seja pras decisões dos outros, seja pras decisões da vida. A lição só veio anos mais tarde, quando aprendi com os tombos, conflito e decepções que às vezes o mais sábio é silenciar e observar, com aquele conforto emocional de quem espera passar.
A coisa mais legal que eu aprendi com a minha mãe foi que amor não é posse. Justamente por amor, minha mãe nunca deixou de incentivar meus sonhos, mesmo quando eles me levaram pra bem longe dela. Justamente por amor, ela deixou que um monte de gente me demonstrasse cuidado e carinho. Tias, vizinhas, amigas, colegas de trabalho… minha mãe deixou eu experimentar o amor de todo mundo que quisesse dar, influenciando neste meu jeito sensível de ser, fazer e ver o mundo.
E minha vó também foi mãe com a minha mãe. Minha oma, como chamamos vó em alemão, se atrapalhava de tanto amor, me empanturrava de comida e me ensinava o valor de esperar o fim da massa de bolo pra raspar o pote. Passava muito tempo dedicando tardes a mim, preparando chimarrão doce (uma espécie de chá com erva mate, permitida às crianças nas rodas de chimarrão gaúchas) pipocas e guloseimas. Era muito legal!
Também minha dinda foi mãe com minha mãe. Ela é a pessoa mais doce que há, magrinha que só ela, foi minha amiga, babá, manicure e dinda, minha e de todas as crianças que nasceram depois de mim na família e que aprenderam a chamá-la de dinda como que por ciúmes do meu título. Perdeu seu nome e virou simplesmente “A Dinda”.
Saí de casa para estudar e continuei tendo muitas mães, para acalmar a minha. Minha vó paterna, com quem até então eu praticamente não tinha contato, as mães das minhas colegas de faculdade, minha professora-orientadora-amiga e algumas amigas que, na minha falta de juízo, precisaram exercitar todo seu instinto maternal. Foram tantas mães que em cada uma delas encontrava um pouco da minha, como se fosse um ninha.
Quando cheguei em São Paulo, ainda assustada com as dimensões que a vida tomava, lembro que a Dona Deusa, uma senhora extremamente amável que cuida da agência em que trabalhava, deixou um bilhete escrito à mão sobre minha mesa em que constava seu telefone e dizia “Seja bem-vinda. Para tudo que precisar, pode me ligar”. Logo pensei: ela é mãe, vai saber me ajudar, se eu precisar.  Naquele dia, perdi o medo de São Paulo. Depois disso, troquei de emprego e vi Dona Deus mais umas duas vezes apenas, mas o bilhete continua colado na parede ao lado da minha cama.
Acho que as mães educam a gente com um sonho de que sejamos grandes pessoas. Grandes de caráter, de integridade, de querer ser. Eu tive uma infância permeada pelo lúdico, cheia de incentivo à leitura, imaginação e fantasia e um filme que marcou minha infância foi Menino Maluquinho. A cena final permanece viva na minha lembrança como algo que bastaria para minha mãe: o menino maluquinho se transformou num cara legal e num cara feliz.
As mães projetam na gente o ideal de que sejamos íntegros, justos, admiráveis. Não é por elas, mas por nós. É pra que sejamos tão merecedores que nunca nos falte amor, tão lindos de intenções que sempre tenhamos gente boa pertinho, principalmente quando elas não estiverem. Demorei um tempão pra entender que tudo é parte de um grande plano, afinal, as mães pensam em tudo.
Sei lá se consigo ser um pouquinho do sonho da minha mãe, mas ela me fez tão gente, que fui capaz de fazer outras muitas mães de amor por aí. Obrigada, mãe, por ter um amor que não cabia. Obrigada por ser dessas mães que transbordam.